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NOME: Manuel Bravo Saramago NASCIMENTO: 19/10/1944, Tombos - MG FORMAÇÃO: Bacharel em Direito pela Faculdade Cândido Mendes - Rio de Janeiro/MG - 1971. Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Belo Horizonte/MG - 2003.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Crônica da Periferia - Conversa em Momento Inadequado -

Era 18 (dezoito) de junho, uma quinta-feira de sessão com muitos processos. Uma data que me levava a pensar num passado muito distante, mas não sabia do que se tratava. Fiz um esforço de memória, e muito esforço, consegui lembrar: se meus pais fossem vivos, fariam 75(setenta e cinco)anos de casados.
Caminhei para o restaurante Riviera, rua Goiás 286, defronte ao tribunal, onde tudo acontece entre 12,00 e 14,30 horas, até se alimenta. Em aí chegando, encontrei com o desembargador Herculano Rodrigues, com quem iniciei o almoço, por volta de 11, 50 hs. (onze horas e cinquenta minutos). Conversamos e ele atendia a vários telefonemas: um colega do Acre, outro de Rondônia, um do não menos distante Amapá, de um Ministro do STJ e, finalmente, de um Juiz de Paz de Fernando Noronha, segundo o Joaquim tinha uma pretensão inteiramente inconstitucional, não me disse qual era. O colega se levantou sem terminar o almoço, pois tinha ainda uma reunião na Amagis, antes do início da sessão. Que luta!
Continuei almoçando, na mesa vazia, repensando o 18 de junho. Evidentemente, acompanhado de muita saudade. Tive uma infância muito alegre, com muita fartura. Uma adolescência e juventude com muitas limitações, mas com alegrias imensas, pois onde há juventude e saúde não há espaço para tristezas. Há muitos sonhos.
Distraído, percebi que alguém se aproximava e houve um pedido forte de licença para assentar, o que atendi de imediato.
Eram duas senhoras, uma com cerca de 48 (quarenta e oito) anos de idade e a outra com cerca de 51 (cinquenta e um), cabelos louros muito bem tratados, vestidas primorosamente: uma de vestido todo preto, a outra de preto e branco, ambas com óculos Dior, modelo recente - formato quadrado - bolsas Louis Vitton ou Balenciaga, os sapatos, observei depois, eram, com certeza, da Villa Vittini. Tudo combinava com tudo. O perfume da melhor qualidade, acho que era um lightblue, se não me engano. Estavam acompanhadas de uma jovem, com cerca de 23 (vinte e três) anos de idade. Trajava um esporte básico - calça comprida azul e uma blusa clara - , de uma quinta-feira belorizontina.
Passaram alguns minutos, este blogueiro, não querendo passar de liso, disse: _ todas atleticanas, muito bem! A mais velha, num tom incisivo, num típico "chega pra lá", respondeu: não torcemos para time algum, os nosos maridos não gostam de futebol, eles são simpatizantes de natação. Fiquei quieto. Nada respondi. Pensei: - vem para minha mesa e ainda quer dar uma de pretensiosa.
Durante o almoço, a conversa das duas evoluiu e a jovem se manteve calada como eu, ocasião em que observei que a mais velha se chamava Berenice e a outra Gilda e a jovem, Regina Sílvia, filha de Berenice. Percebi, ainda, que as duas senhoras eram casadas com dois irmãos, ambos engenheiros, sócios de uma firma de construção civil, Rubens e Rafael, e elas funcionárias da Receita Federal, auditoras, a mais velha residente na Pampulha, numa casa enorme, e a mais nova no Belvedere, num apartamento, pela descrição, um imóvel de área grande.
Falaram pouco sobre a Receita Federal. Fizeram referência apenas sobre a Superintendência e que não sabiam quem assumiria a sua chefia, após a renúncia coletiva que ocorreu. E disseram ainda que jamais irão para Brasília, pois pretendem a aposentadoria para poderem curtir o que lhes sobra de vida, juntamente com os respectivos maridos.
Quando o almoço corria, o celular de Regina tocou e ela largou o prato por acabar e saiu sem se despedir da mãe e tia. Berenice disse: - Gilda, ela está enrolada com um mala sem alça, você o conhece, é aquele engenheiro mecânico, cujo emprego foi o Rubens que arranjou, na Caterpillar, há 2 (dois) anos, é o Carlos Antônio. A sua família reside em Caratinga. Ele é muito esquisito: fizeram, no último domingo, 3 (três) anos de namoro e ele foi passar o fim de semana com os pais, deixando a menina sozinha em B. Horizonte. Há muito desnível entre eles e o pai dela já avisou que todo desnível é perverso - social, financeiro e ou intelectual. Ela é muito esforçada. Conseguiu aprovação no último concurso do Tribunal de Justiça. Foi nomeada, há dois meses. Está trabalhando no setor de concursos, conhecido por escola judicial. Você sabe, as moças de hoje quando apaixonam é paixão para ninguém botar defeito. Cruzes!
Gilda respondeu: - E o Guilherme que arranjou uma, não lhe conto nada! É um baú sem alça. Além de não ser bonita, envolve-se na vida dele, absurdamente. Ele está trabalhando numa mineradora, empreiteira da Vale, como engenheiro júnior, foi o pai que arranjou com um colega de turma, o Geraldo, você o conhece, com salário aproximado de R$10.000,00 (dez mil reais) mensais. Ótimo para idade dele. Está formado há 1 (um)ano. Não obstante, tem andando muito mal vestido, com roupa rasgada, colarinho puído, inclusive, nada combinando com nada. Falou-se em colocar a Rafaela em escola pública para fazer economia, com o que eu e o Rafael não permitimos. Depois soubemos que tudo é influência da namorada, a Mírian, que o obriga a fazer economias absurdas. Zangamos muito com ele e lhe dissemos que a sua filha não pediu para vir ao mundo; que está obrigado a lhe proporcionar tudo o que nós lhe proporcionamos. Você acredita Berenice que, outro dia, fomos ao cinema, eu e o Rafael, e eles não entraram, ficaram esperando a gente chegar, na portaria do prédio. Depois o Guilherme contou ao pai que a moça não quis entrar porque não havia ninguém em casa. Aí Gilda chamou Berenice e falou baixo, quase nos ouvidos, mas deu para eu perceber: - ela ainda é virgem. Respondeu Berenice: - que absurdo! Uma jovem com cerca de 30 (trinta) anos de idade ainda nessa situação!?! Continuou o falatório Gilda: - ela é mais velha que o Guilherme, mais ou menos 4 (quatro) anos. Você conhece a mãe da Rafaela, a Vera, pessoa ótima, fazíamos muito gosto. Infelizmente, o romance não evoluiu. Outro dia, armei um barraco, criei coragem, e falei com o Guilherme, perto da Mírian: não vamos admitir que o padrão da Rafaela caia e você tem que andar decentemente vestido. Terá ainda que arcar com curso de inglês que está fazendo para tentar o mestrado que almeja. Você sabe muito bem Berenice que família que não tem armação de barraco não é família. A Mirian não fez cara boa. Não me importo, pois cara feia para mim é festa.
Ambas despediram formalmente e sairam.
Fiquei pensando... Que loucura! Num almoço, perto de um desconhercido, devassou-se a vida de duas famílias, sem quê nem por quê. Há cerca de 60 (sessenta) anos, minha mãe, professora primária estadual, dizia a meu pai que não gostava, às segundas-feiras, de ir ao gabinete do grupo escolar que lecionava, mas, perto dos filhos, não dizia o motivo. Posteriomente, vim a saber que era porque as colegas falavam das respectivas noras e sogras, devassando as vidas familiares, com o que a minha mãe não concordava. É, pouca coisa mudou! Por outro lado, no que respeita às virgens, os ventos não lhes sopram favoravelmente. Tudo mudou!
Esta é uma obra de ficção. Qualquer aparência na vida real é mera coincidência.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei a crônica! Será que conheço a Berenice? Tive a impressão que sim... Um abraço carinhoso da Tatiana.

Anônimo disse...

Muito legal!
No começo fiquei com um pouco de pena da Regina Sílvia, mas depois, no decorrer da história, por suas atitudes, me pareceu ser uma moça decidida. Tomara que ela seja feliz e consiga passar imune por essa família. hehehe
Também lhe pareceu isso, doutor?